domingo, 16 de dezembro de 2007

Balanço do Tratado de Lisboa



Portugal «quase mordomo» das grandes potências, diz Jerónimo

O secretário-geral do PCP entende que o primeiro-ministro tornou Portugal num «quase mordomo» das grandes potências com a Presidência Portuguesa da UE. Jerónimo de Sousa acrescentou que é preciso uma «busca muito esforçada» para encontrar algo de positivo nesta presidência.

( 22:32 / 15 de Dezembro 07 )

O secretário-geral do PCP considerou que o primeiro-ministro transformou Portugal num «quase mordomo» dos interesses das grandes potências durante a Presidência Portuguesa da União Europeia.

No final de uma reunião do Comité Central do PCP, Jerónimo de Sousa explicou ainda que é preciso fazer uma «busca muito esforçada» para encontrar algo de positivo deste presidência.

«Portugal perde peso na União Europeia: menos deputados, menos um comissário, menos poder de decisão, remetendo-se aos cerca de dois por cento de peso nesta União Europeia», lembrou.

Por isso, Jerónimo de Sousa apelou a um «grande debate nacional sobre o que se ganhou e perdeu», tendo o líder comunista frisado ainda as questões económicas, nomeadamente a do Banco Central Europeu, a da Política Agrícola Comum e a do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

O líder comunista apontou o dedo em particular ao Tratado Reformador, assinado durante a Presidência Portuguesa, ao considerar que foi «aprovado com base numa agenda determinada e decidida pela Alemanha».

«Esse tratado em si mesmo tem um significado incontornável. Vai decidir muito da vida e do futuro de Portugal e dos portugueses no plano, designadamente, da defesa da nossa soberania», recordou.

Jerónimo de Sousa classificou ainda o documento que foi assinado na quinta-feira como uma «versão maquilhada do anterior projecto de Constituição Europeia», o que, na sua opinião, justifica o pedido dos comunistas por um referendo.

O secretário-geral do PCP esclareceu ainda que para o Comité Central do partido este tratado é «altamente gravoso para o país e para a Europa e consolida o federalismo e o domínio das grandes potências, o neoliberalismo nas orientações económicas e sociais e o militarismo atrelado à NATO e as imperialismo norte-americano».

Na reunião do Comité Central do PCP, que terminou este sábado, foram definidas as principais áreas de acção do partido para 2008, bem como o agendamento do XVIII Congresso do partido, que será realizado entre 29 de Novembro e 1 de Dezembro de 2008


Um balanço muito positivo da presidência portuguesa

Isabel Camisão *

Quando a 1 de Julho de 2007 Portugal assumiu a presidência rotativa da União Europeia, era sabido à partida que a Conferência Intergovernamental e o novo Tratado dominariam a atenção da presidência portuguesa e, de alguma forma, ditariam o seu sucesso ou fracasso. No entanto, a agenda era consideravelmente mais vasta. Às questões herdadas da presidência anterior - nomeadamente a abertura das negociações para a nova parceria UE-Rússia (vetada pela Polónia), o dossiê ambiental, a completa aplicação do acervo de Schengen, a questão do Kosovo, e, claro, a redacção do novo Tratado - Portugal somou os seus próprios projectos. Sem surpresa, Portugal optou neste ponto por reavivar as suas relações históricas e dar uma espécie de continuidade às duas presidências portuguesas anteriores, tendo elegido como prioridades o reforço das relações com o Brasil, com a Índia e com os países africanos.

A agenda internacional da presidência portuguesa não oferecia facilidades, mas Portugal não desiludiu. É certo que os resultados das diversas cimeiras são sobretudo compromissos informais que obrigarão a novas rondas de negociação para que possam traduzir-se em acordos concretos que obriguem verdadeiramente as partes envolvidas. Não obstante, considerando a delicadeza de alguns dos dossiês em cima da mesa, este seria realisticamente o melhor resultado alcançável, arriscaria a dizer, qualquer que fosse o país a assumir a presidência.

Julgo pois ser justo reconhecer que Portugal cumpriu os seus objectivos principais e deixa, naquela que será a sua última presidência da União Europeia, uma imagem de organização, competência e trabalho feito.

É reconhecido que para este balanço positivo muito contribuiu o mandato preciso que Portugal recebeu para aquela que era reconhecidamente a prioridade desta presidência. Para este balanço contribuíram igualmente as expectativas relativamente modestas com que muitos encaravam uma presidência que se dizia destinada a lidar sobretudo com questões de ordem técnica. Não obstante, parece-me que mesmo aqueles que partilhavam esta última opinião (grupo em que não me incluo) terão que reconhecer que alguns dos ditos "pormenores técnicos" poderiam ter-se transformado em obstáculos inultrapassáveis, não fosse uma diplomacia hábil que foi capaz de fazer valer de todos os meios ao seu dispor para alcançar os objectivos. Sem os recursos, o poder e a influência dos estados grandes, restou a Portugal a capacidade de persuasão, e Portugal soube ser persuasivo.

A presidência portuguesa geriu aquela que pode ser considerada a "última fase" das negociações do Tratado Reformador com uma clara eficiência. Depois de revisto pelos especialistas em Direito, o projecto de Tratado foi apresentado a 5 de Outubro, deixando em aberto as matérias onde não tinha sido possível o acordo. Para desbloquear o impasse foi apresentado um pacote bastante equilibrado de concessões que permitiu ultrapassar os entraves menores colocados pela Áustria e pela Bulgária, mas também os maiores colocados pela Polónia, pela Itália e pelos representantes do PE na CIG. Com uma mistura de habilidade negocial e determinação, a presidência portuguesa selou o acordo que deu origem ao novo Tratado de Lisboa, assinado na capital portuguesa no passado dia 13.

Quanto ao conteúdo, ainda que tenham sido eliminados todos os elementos de natureza simbólica e com valor constitucional, o Tratado de Lisboa recupera a essência da agora defunta "Constituição". O novo Tratado representa por conseguinte um avanço e porá fim a um imbróglio institucional que se arrasta desde Amesterdão. Dito isto, afigura-se inegável que com o modelo adoptado (de emenda dos tratados em vez de fusão) perdeu-se em simplificação e em legibilidade para os cidadãos; e com as inúmeras cláusulas de precisão interpretativa, medidas derrogatórias e toda a espécie de opting-outs (que são em rigor opting-ins) corremos o risco de perder também em coesão do projecto europeu.

Parece evidente que numa União alargada, para que a hesitação de uns não impeça o avanço de todos, a "diferenciação" será quase inevitável. A questão residirá pois em saber como tornar legível para o cidadão esta UE de geometria variável e como evitar a erosão daquilo que esta construção já tem de comunidade. Ainda assim, parafraseando o presidente da Comissão Europeia, é agora tempo de a Europa seguir em frente.

* Assistente Convidada do Departamento de Relações Internacionais e Administração Pública, EEG, da Universidade do MinhoCor do texto

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