domingo, 25 de novembro de 2007

Saramago

"Dou graças à vida"

Mesmo doente, discursou durante 15 minutos

José Saramago pode estar muito debilitado fisicamente mas não deixa de levantar a voz contra as situações que o desgostam e de alertar as consciências. Foi isso que aconteceu ontem em Lanzarote, após ter inaugurado a terceira sala da exposição "La Consistencia de los Sueños", ao agradecer a presença de várias centenas de convidados.
Rodeado pelo ministro da Cultura espanhol, César Antonio Molina, e pelas autoridades de Lanzarote, o escritor pediu para que protegessem a ilha da invasão dos turistas e evitassem que se "tornasse uma sucursal de Marbella". Pediu ainda desculpa por não respeitar o protocolo habitual - os cumprimentos às autoridades - para agradecer em primeiro lugar o enorme esforço da Fundação César Manrique nesta preservação da natureza de Lanzarote. Justificou este agradecimento por ter "encontrado em Lanzarote a Azinhaga recuperada. Não tem nada a ver esta paisagem com a da minha terra, estamos separados por centenas de quilómetros, mas há algo que nos une porque todos somos humanos".
Em seguida, agradeceu a realização desta exposição que sempre pensou "que seria irrealizável" e afirmou que "se eu fosse um rei - que não sou - este seria o acto da minha coroação", depois de ter efectuado uma demorada visita ao espaço dedicado principalmente a divulgar o reconhecimento mundial da sua obra literária. Fez questão também de afirmar, numa alusão ao seu quadro clínico que o poderia ter impedido de ver a exposição, que "dou graças à vida. Não estava nas minhas previsões fazê-lo e o que parecia impossível tornou-se realidade".
Numa das paredes, estão centenas de exemplares de quase todas as edições traduzidas, noutra as fotografias que documentam a relação com escritores de todos os países, com governantes nacionais e estrangeiros e as acções de cariz político que o fizeram correr o País e o planeta nas últimas décadas. Encontram-se também expostos quatro poemas que enviou a Jorge de Sena datados de 1961, alguns anos antes de publicar Os Poemas Possíveis. No centro do espaço, recupera--se o cenário onde o escritor fez os livros que lhe deram fama, através da exibição da sua máquina de escrever Hermes, da pequena biblioteca de então, dos dicionários e enciclopédias para consulta e dos óculos (de grandes armações) que usava.
Ontem, José Saramago fez questão de entrar pelo seu próprio pé na exposição. Aplaudido pela multidão que aguardava a sua chegada, situação que se repetiu à partida, o escritor só se sentou na cadeira de rodas já no interior. Em representação de Portugal estava o embaixador em Madrid, José Filipe de Moraes Cabral, que destacou ao DN o "impacto esmagador das soluções encontradas para expor tanto acervo", notando-se a ausência de qualquer das outras entidades portuguesas convidadas para esta cerimónia. O editor de Saramago, Zeferino Coelho, revelou que pensa editar muitos destes inéditos brevemente, enquanto a filha Violante se revia em muitas das situações retratadas e se "emocionava como está a acontecer ao meu pai". O investigador Carlos Reis mostrou-se impressionado pela montagem da mostra e considerou que "é preciso reestudar o período da formação do escritor" e que se estava perante "a sua verdadeira dimensão universal".
Nos planos do escritor para os próximos seis meses está o desejo de finalizar o seu novo livro, A Viagem do Elefante, do qual já se podem ver algumas páginas nesta exposição. Quanto à agenda de deslocações, que a sua mulher suspendeu pelos próximos tempos, vão ficar por responder solicitações vindas de todo o mundo a exigir a voz do Prémio Nobel.

JOÃO CÉU E SILVA, em Lanzarote

Sem comentários: