sábado, 13 de setembro de 2008

Hackers contra o acelerador de partículas



O LCH juntou 6000 cientistas durante 20 anos e procura simular os primeiros milésimos de segundo do Universo

Intrusos queriam provar vulnerabilidade do sistema

Maior acelerador do mundo sofreu ataque de “hackers” durante experiência

12.09.2008 - 22h12 Romana Borja-Santos

As primeiras partículas estavam a circular no Grande Acelerador de Hadrões, perto de Genebra, onde nasceu a World Wide Web, quando um grupo de “hackers” grego invadiu o sistema com o único objectivo de mostrar a sua fragilidade. Ao que parece, se o regresso ao “Big Bang” foi um sucesso, os piratas informáticos também foram bem sucedidos no seu objectivo: mostrar aos cientistas que estes não passavam de “um bando de miúdos da escola”, segundo noticia o jornal britânico “Daily Telegraph”.

A “Equipa de Segurança Grega”, como se auto-intitularam os intrusos, entrou quarta-feira no sistema informático do LHC (como é conhecido em inglês) simplesmente para deixar a mensagem referida e provar a vulnerabilidade dos técnicos que estavam à frente daquela que foi considerada uma das maiores experiências do mundo. O objectivo foi simplesmente provar que era possível violar o sistema, mas nunca criar problemas, ainda de acordo com o jornal inglês.

“Estamos a baixar-vos as calças por não vos querermos ver a correr nus enquanto se tentam esconder quando o pânico chegar”, lê-se também na mensagem que os “piratas” deixaram no sistema informático do acelerador. E, ao que parece, a intrusão foi mais do que suficiente para alertar os cientistas, que impediram entretanto os cibernautas de aceder ao site www.cmsmon.cern.ch.

Os cientistas envolvidos no projecto receberam também, ao longo dos dias, várias mensagens electrónicas e telefonemas do público em geral que se mostrou preocupado com os objectivos das experiências e com as potencialidades da máquina – produzir um buraco negro para engolir a terra, terramotos ou tsunamis foram apenas algumas das hipóteses colocadas.

Assustador

Os responsáveis explicaram que o acto só teria sido verdadeiramente perigoso se o grupo tivesse conseguido entrar numa outra rede onde, aí sim, teriam conseguido desligar algumas partes do sistema. Felizmente, apenas um ficheiro foi afectado, mas o incidente foi assustador para a comunidade.

A grande preocupação dos cientistas da organização europeia era de que os “hackers” entrassem em um dos maiores detectores da máquina, que pesa 12.500 toneladas e mede 21 metros de comprimento e 15 de altura. Entretanto, a área atacada pelos invasores foi o "Compact Muon Solenoid Experiment", um dos quatro detectores que analisam o choque das partículas.

O LCH, um projecto faraónico que juntou 6000 cientistas do mundo durante 20 anos, procura simular os primeiros milésimos de segundo do Universo, há cerca de 13,7 mil milhões de anos, e é considerado a experiência científica do século. Desde 1996, o CERN construiu, 100 metros debaixo da terra, perto de Genebra, na Suíça, um anel de 27 quilómetros, arrefecido durante dois anos para atingir 271,3 graus negativos.

À volta deste anel estão instalados quatro grandes detectores, no interior dos quais vão produzir-se colisões de protões numa velocidade próxima da da luz. Em plena força, 600 milhões de colisões por segundo irão gerar uma floração de partículas tal como aconteceu no início do mundo, algumas das quais nunca puderam ser observadas.

Descobrir o Universo

No entanto, só daqui a alguns meses, quando se comprovar a evolução do funcionamento, é que haverá colisões de partículas e estarão criadas as condições para o estudo de novos fenómenos, através da recriação das condições que se produziram instantes depois do Big Bang. O objectivo final desta grande experiência é poder dar resposta a muitas perguntas sobre a origem do mundo, entender por que a matéria é muito mais abundante no Universo do que a anti-matéria, e chegar a descobertas que "mudarão profundamente a nossa visão do Universo", segundo o director do CERN, Robert Aymar.

Uma das aspirações dos cientistas é encontrar o hipotético bosão de Higgs, uma partícula que nunca foi detectada com os aceleradores existentes, muito menos potentes que o LHC. O projecto custou dez mil milhões de dólares - mas isso "é apenas 0,005 por cento do Produto Interno Bruto mundial durante esse período", escreveu o físico Stephen Hawking na revista americana Newsweek. "Será que não podemos gastar dois centésimos de um por cento para tentar compreender o Universo?", interrogou.

Nesta catedral subterrânea caberiam várias Notre Dame de Paris. São usados ali 9600 ímanes para forçar os feixes de protões e iões de chumbo a dobrarem as curvas deste túnel circular de 27 quilómetros de circunferência. Estes ímanes estão arrefecidos com 60 toneladas de hélio superfluido até uma temperatura ainda mais baixa do que a do espaço profundo: 271,25 graus negativos, perto do zero absoluto. É o maior frigorífico do mundo (na verdade, bastaria um oitavo da sua capacidade de refrigeração para ter esse título), mas no seu interior atingir-se-ão temperaturas 100.000 vezes superiores às do coração do Sol - embora concentradas num espaço minúsculo, inferior ao de um átomo.

É também o local mais vazio do sistema solar, diz o CERN, onde está alojado: as partículas subatómicas aceleradas viajam dentro de um tubo tão vazio como o espaço interplanetário: a pressão interna é dez vezes menor que na superfície da Lua, onde os astronautas saltam como cangurus quando tentam andar.

Maior criação de Deus

Não é de admirar que os cientistas falem de uma forma que raia o discurso religioso. "Esta máquina, o superacelerador, levar-nos-á tão perto como humanamente for possível à maior criação de Deus, o Génesis. É uma máquina do Génesis, concebida para estudar o maior acontecimento em toda a história: o nascimento do Universo", escrevia, também no “Guardian”, Michio Kaku, professor de Física Teórica na Universidade da Cidade de Nova Iorque e divulgador de ciência.

Há também os que, como o Nobel da Física de 1979 Steven Weinberg, preferem dizer que as descobertas no LHC podem tornar Deus menos importante na nossa compreensão do Universo: "Se conseguirmos criar uma teoria final em que todas as forças e partículas são explicadas, e essa teoria ajudar a compreender o Big Bang e nos der uma cosmologia consistente, deixar-se-á menos à religião para explicar", escreveu na Newsweek.

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