sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Ciência

Publicado na revista “Cell”


Português descobre gene crucial para transformar células adultas em estaminais embrionárias
20.08.2009 - 17h40 Teresa Firmino

José Silva anda às voltas com o mesmo gene há cinco anos e agora descobriu como é que esse gene consegue fazer com que células adultas, perfeitamente diferenciadas como as da pele, regressem a um passado distante – levando-as a transformar-se em células estaminais embrionárias.

O biólogo português, 35 anos, do Centro para a Investigação de Células Estaminais da Universidade de Cambridge, em Inglaterra, publica hoje a descoberta na edição online da revista norte-americana “Cell”.

O gene alvo de tantas atenções é o Nanog, que, em gaélico, remete para a expressão “terra dos sempre jovens”. Foi descoberto em 2003, por outro cientista, e no ano seguinte José Silva começou a dedicar-lhe atenção.

O que tem para contar inclui vários tipos de células. Ao contrário das células adultas, que já se diferenciaram, tornando-se pele ou coração, por exemplo, as estaminais dos embriões originam todos os tipos de células (mais de 200) de um organismo. Por essa razão, os cientistas querem aprender tudo sobre elas, para depois as transformar em qualquer tipo de célula e tratar as mais variadas doenças, como a Parkinson, Alzheimer ou diabetes.

Se a obtenção dessas células puder evitar a criação e destruição de embriões – produzindo estaminais a partir de células adultas –, contorna-se uma série de problemas éticos. Mais: podem-se gerar células compatíveis com qualquer doente a partir de células do seu corpo.

Em 2006, José Silva percebeu que o Nanog tem um papel importante na reprogramação das células adultas, pois faz com que voltem a ser estaminais embrionárias.

Nessa altura, o investigador procedeu à fusão de células diferenciadas (da pele e do timo) com células estaminais do cérebro (nos adultos também há células estaminais, mas têm alguma especialização; as células estaminais do sangue só já dão as várias células sanguíneas e nunca do coração, por exemplo).

Era a primeira vez que se identificava um gene específico envolvido na reprogramação das células. Mas faltava dar o grande passo: levar uma célula adulta, sem fusões, a transformar-se em estaminal.

Seria uma equipa japonesa a dar esse passo, em 2006, ao descobrir que é possível programar células adultas como estaminais embrionárias. Para tal, a equipa de Shinya Yamanaka, da Universidade de Quioto, usou quatro genes (nenhum era o Nanog) e mostrou que são essenciais para a reprogramação celular. Convertidas à força, por assim dizer, ficaram conhecidas como “células estaminais induzidas”. A equipa de Yamanaka mostrou que tal é possível fazendo nascer ratinhos criados com células adultas da pele.

No entanto, o que se passava durante essa conversão manteve-se às escuras, até agora. “A biologia desse processo era uma caixa negra. Os quatro genes são importantes para iniciar o processo que leva à geração das células estaminais induzidas, mas o que acontecia era um ponto de interrogação”, diz José Silva.

O biólogo suspeitava que o Nanog desempenharia um papel importante, talvez fosse até o protagonista. Foi ver se era mesmo assim.

Maestro de vários genes

Descobriu duas coisas, que publica agora na “Cell”. Primeiro, o Nanog é absolutamente necessário para reprogramar as células adultas em células estaminais induzidas, num pratinho de laboratório. Segundo, no próprio embrião, o Nanog é necessário para o seu desenvolvimento normal. Sem o gene, o embrião não consegue formar células estaminais, de onde surgirá todo o organismo, pelo que é inviável. As células do embrião ficam retidas num estádio intermédio, sem chegarem a estaminais.

O artigo de José Silva recentra a descoberta de Yamanaka, também entre os autores deste trabalho. Assim, os quatro genes parecem iniciar o processo de proliferação de células no embrião, ainda antes de aparecerem as estaminais (ao fim de cinco a seis dias de desenvolvimento do embrião humano). Só depois de entrarem em acção é que o Nanog surge em cena, como um maestro que conduz uma orquestra. Mas sem outros genes, a transição das células (tanto do embrião como das adultas) para estaminais não é possível.

“É o Nanog que faz com que as células pré-estaminais do embrião se tornem estaminais. Mas para exercer a sua função, o Nanog precisa de outros genes”, frisa José Silva.

No trabalho dos japoneses, além dos quatro genes, o Nanog entrou em acção sem que a equipa o soubesse. Se tivesse bloqueado a sua actividade, não se teria conseguido criar ratinhos a partir de células adultas. Os ratinhos que José Silva criou durante as suas experiências provam como o Nanog é essencial.

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