domingo, 8 de fevereiro de 2009

Cientistas portugueses

As descobertas de João Zilhão

É o arqueólogo mais citado do mundo, em conjunto com o seu colega italiano Francesco d'Errico, com quem trabalhou em vários projectos, tem dezenas de artigos em publicações científicas de referência mundial, e ficou conhecido em Dezembro de 1998 por chefiar a equipa internacional que descobriu perto de Leiria as ossadas com quase 30 mil anos do primeiro híbrido entre o homem de Neandertal e o homem moderno (Homo Sapiens), baptizado de criança do Lapedo. Hoje, João Zilhão é professor catedrático de Arqueologia Paleolítica na Universidade de Bristol, estando de licença sabática para escrever uma monografia - que será publicada pela Oxford University Press no final do ano - sobre os restos mais antigos da Europa do homem moderno, investigados pela mesma equipa do Lapedo numa gruta do sudoeste da Roménia, num projecto financiado pela National Science Foundation (EUA).
O cientista reparte o seu tempo entre o Reino Unido, Portugal e Espanha, onde está a investigar grutas na região de Múrcia, com o apoio da universidade local. "Um dos temas-chave da arqueologia nos últimos anos, que está no centro dos debates sobre a evolução humana, é o cruzamento do Neandertal com o homem moderno", sublinha João Zilhão. E o consenso a que se está a chegar "é que o homem moderno terá surgido em África há 150/200 mil anos e que há 50/60 mil anos ele começou a espalhar-se - por migrações ou por cruzamentos - pela Europa e pela Ásia, porque tinha genes vantajosos do ponto de vista da selecção natural". Então, "em maior ou menor escala terá havido uma miscigenação entre a população de origem africana (homem moderno) e os Neandertais", que viveram na Península Ibérica até há cerca de 36 mil anos.

As borboletas de Patrícia Beldade

A formação e variação dos padrões coloridos nas asas das borboletas como exemplo de diversidade e evolução tem sido o alvo da investigação de Patrícia Beldade, 36 anos, e já deu origem à publicação de artigos em revistas científicas de referência mundial. A começar pelo primeiro artigo da sua carreira, relacionado com a tese de doutoramento em genética evolutiva e do desenvolvimento, que saiu na revista britânica "Nature" em 2002 e ficou a dever-se à borboleta africana da espécie Bicyclus anyana. O último artigo acaba de ser aceite pela revista "PLoS Genetics" e refere-se a um estudo que comparou duas espécies de borboletas que divergiram há 100 milhões de anos, tendo concluído que ainda hoje têm muito em comum na forma como os genes relacionados com os padrões coloridos das asas estão ordenados.
A investigadora do Instituto de Biologia da Universidade de Leiden, na Holanda, diz que não tem qualquer preferência por borboletas ou por insectos, "porque importa muito mais a pergunta a que queremos responder do que o animal ou planta que é objecto do nosso estudo". O importante é, assim, "entender os fenómenos e processos gerais da evolução, para lá dos organismos que escolhemos". É por isso que o objectivo central do trabalho da bióloga é estudar "a forma como o desenvolvimento dos seres vivos pode ser mudado pelos genes ou pelo ambiente para produzir variação, que é a matéria-prima da evolução através da selecção natural". Ou, como os cientistas dizem, "conhecer a base genética das características complexas, saber como podem mudar o processo de desenvolvimento desde o ovo até ao adulto".

Os ossos humanos de Eugénia Cunha

Vive rodeada de ossos humanos e lê-os de uma perspectiva evolutiva e forense. É desde há 11 anos consultora de antropologia forense do Instituto Nacional de Medicina Legal, ajudando a determinar a causa da morte em alguns casos, e tem colaborado com a Liga dos Combatentes na identificação de militares mortos na guerra da Guiné. Em Março regressa a este país para mais uma missão de exumação e identificação de restos mortais enterrados no cemitério de Farim. É também a antropóloga que pretende abrir o túmulo de D. Afonso Henriques para obter amostras de ADN que lhe permitam traçar o perfil biológico do primeiro rei português, projecto recusado em 2006 pela então ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima. A área forense é apenas o interesse mais recente desta investigadora, que há 23 anos usa os ossos para estudar a evolução humana.
"Os ossos humanos são o que de mais real existe do nosso passado. E o facto de guardarem muitas informações sobre as pessoas a que pertenceram e o modo como interagiram com o meio ambiente faculta-nos um meio insubstituível de conhecer a nossa história evolutiva", afirma. O esqueleto, "ao fazer a ponte entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos", fornece um elemento imprescindível "para se conhecer a nossa própria história natural".
Um dos locais privilegiados para este trabalho têm sido os concheiros mesolíticos de Muge, no baixo vale do Tejo, um dos mais importantes sítios pré-históricos de Portugal. Aí "continuam a ser recuperados esqueletos humanos" que fornecem pistas importantes sobre "o período crucial da Humanidade que foi o deixar de ser nómada para se tornar sedentária"

A evolução de Catarina Pinho

É uma das mais promissoras biólogas nacionais, garante Nuno Ferrand, director do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto, onde Catarina Pinho está a fazer o pós-doutoramento: "É a mais brilhante aluna que tive em 30 anos de ensino." Tantos quantos os da jovem cientista, contemplada com uma bolsa de investigação da Fundação Gulbenkian, no valor de 50 mil euros, para desenvolver um projecto na fronteira das ciências da vida. A Catarina interessa estudar a evolução e perceber o modo como ela se processa. "Procuro compreender os mecanismos pelos quais ocorre a diversificação biológica, desde o isolamento das populações até à formação de novas espécies."
Para isso socorre-se da genética, comparando porções de ADN de indivíduos pertencentes a populações de uma espécie ou de espécies diferentes, para assim poder determinar relações de "parentesco" evolutivo, o que a levou a inscrever-se numa segunda licenciatura, em Matemática, para melhor dominar as ferramentas da genética. "Estes métodos permitem-nos viajar no tempo; olhar para os padrões de variabilidade genética que encontramos actualmente ajuda-nos a perceber não só o presente mas também o passado desses organismos", refere a cientista. "Procuramos descrever o modo como ocorreu a evolução e tentar explicar os processos, sejam eles biológicos, climáticos, geológicos ou outros, que ajudaram a moldar a diversidade biológica." Catarina procura agora desvendar um "quebra-cabeças evolutivo": o que está por detrás da enorme diversidade ocorrida num tão curto espaço de tempo nos ciclídeos do lago Malawi, peixes coloridos que estão descritos em cerca de 600 espécies diferentes.

(Texto publicado na edição impressa do Expresso, de 7 de Fevereiro de 2009)

Nuno Raimundo

Um investigador português identificou um mecanismo molecular de formação de tumores benignos do músculo liso do útero, conhecidos por miomas, definindo assim um novo alvo para tratamentos que evitariam cirurgias e complexas consequências pós-operatórias.

Este avanço científico consta de um estudo de uma equipa internacional de que é primeiro autor Nuno Raimundo, estudante de doutoramento na Universidade de Helsínquia (Finlândia), e que acaba de ser divulgado na edição online da Oncogene, a revista do grupo Nature especializada em cancro.

"Estes tumores são geralmente benignos, mas causam problemas terríveis às mulheres, como perdas de sangue, dores e infertilidade, e na maior parte dos casos levam a que as pacientes sejam submetidas a histerectomias (remoção do útero)", disse o investigador à Lusa que, neste momento, trabalha já como cientista na Universidade de Yale, Estados Unidos.

O estudo foi realizado em Helsínquia num laboratório que trabalha com doenças mitocondriais, ou seja, causadas por defeitos nos mitocôndrios e que resultam em deficiente produção de energia metabólica.

No caso específico dos miomas existe um defeito numa proteína mitocondrial (a fumarase, ou FH), que impede as células de respirar com a eficiência necessária.

Nos casos mais graves (em que as duas cópias do gene FH, uma herdada da mãe e outra do pai, estão ambas mutadas) as doentes morrem muito novos (1-2 anos de idade), sendo que nos casos em que só uma cópia está mutada há uma elevadíssima predisposição para o desenvolvimento de tumores, em particular do músculo liso no útero e na pele, mas também de cancro do rim, ovário e testículo, entre outros menos comuns.

"Por esta razão", explicou, "o FH funciona como um gene supressor de tumor, já que o suprime quando há uma cópia do gene normal e lhe dá origem quando a cópia normal se perde".

O trabalho de Nuno Raimundo consistiu em identificar mecanismos de ligação entre os defeitos no FH e a formação de tumores, tendo para isso utilizado células com esses defeitos e recorrido a tecnologia de microchips para medir os níveis de expressão de todos os genes dentro das células.

"O que encontrei foi uma rede de genes associada à proteína SRF (Factor de Resposta ao Soro) que estava sempre reprimida nas células em que o FH não funcionava e constatei não só que isso se passava em miomas, em comparação com o útero normal, mas sobretudo que essa rede é fundamental para a formação do músculo liso maduro", afirmou.

O que resulta do estudo, sublinhou, "é que quando o FH não funciona, as células que dão origem ao músculo liso, em vez de se diferenciarem em células do músculo e pararem de se dividir, continuam a proliferar, levando à formação de miomas".

Na sua perspectiva, a identificação da rede de genes associados ao SRF identifica um alvo claro para possíveis novas abordagens terapêuticas.

"Como menos SRF está associado à formação de tumores, manipulando as vias de sinalização dentro da célula que podem aumentá-lo poderá resultar na prevenção da formação de miomas e, possivelmente, na remissão dos miomas já formados", concluiu.


Perfil

Nuno Raimundo, 32 anos, licenciou-se em Bioquímica pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa em 2000 e foi para a Finlândia em 2003 como estudante de doutoramento no Helsinki Biomedical Graduate School, onde defende a sua tese em Fevereiro. Entretanto, trabalha já como cientista na Universidade de Yale, nos Estados Unidos.

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