domingo, 17 de fevereiro de 2008

Correntes d´Escritas

Cultura

Literatura: Correntes d`Escritas, a casa dos escritores de expressão ibérica

** Ana Nunes Cordeiro, da Agência Lusa **

Póvoa de Varzim, 15 Fev (Lusa) - Há, desde 2000, um grupo de escritores que se reúne anualmente na Póvoa de Varzim para conviver e conversar: sobre o estado da literatura, a saúde do meio editorial... ou sobre se a poesia é para beber.

Assim nasceu uma família, a família do Correntes d`Escritas, o encontro de escritores de expressão ibérica - fenómeno único em Portugal - que junta sempre em Fevereiro, durante quase uma semana, à beira-mar, autores portugueses, africanos, brasileiros, espanhóis e latino-americanos.

O homem que teve a ideia chama-se Francisco Guedes, andava há uns anos a tentar "vendê-la" a quem pudesse torná-la realidade quando um dia, em apenas uma hora de reunião com o vereador da Cultura poveiro, Luís Diamantino, obteve, finalmente, a resposta que ansiava.

O nome Correntes d`Escritas, com que foi baptizada a recém-nascida iniciativa - que "pôs a Póvoa no mapa cultural do país", comentava hoje uma pessoa que veio assistir a um debate - é da autoria de Manuela Ribeiro, a alma da organização.

"Precisávamos de um nome que retratasse o que nós queríamos fazer. E, de repente, Correntes! Correntes marinhas, correntes que se unem, que se abrem... e estas correntes começaram a levar-nos para outros sítios", disse hoje à Lusa Manuela Ribeiro.

Foi destas correntes marinhas - prosseguiu - que "saíram as caravelas um dia e foram essas caravelas nessas correntes que permitiram, bem ou mal, que houvesse países do outro lado do mundo onde se falam as duas línguas ibéricas".

Por outro lado, isto tem que ver com "todo o tipo de escrita, nem que seja a escrita na areia", mas `correntes de escrita`, no singular, era redutor, "porque há várias escritas". Então, ficou com um duplo significado.

"Quando se ouve, parece que as correntes são `descritas`, do verbo descrever, mas, afinal, é muito mais que isso: são as escritas que se escrevem e se descrevem e são as correntes que podem aproximar e também levar-nos para outros sítios e à procura de outras coisas", resumiu.

Como definiu um escritor açoriano que participou no primeiro encontro - concluiu a responsável - "é uma espécie de novo achamento".

Manuela Ribeiro é funcionária da Câmara, coordena o departamento de projectos sócio-culturais, trata da complexa logística do encontro, orienta o júri dos prémios literários nas várias fases de selecção das obras, acarinha todos os convidados - escritores, editores, cineastas, músicos, jornalistas - e sempre com um sorriso estampado no rosto.

Primeiro, eram cerca de 30 os autores presentes - são os históricos, como os angolanos Manuel Rui, Ana Paula Tavares, Ondjaki, o galego Carlos Quiroga, e os portugueses Onésimo Teotónio de Almeida e Aurelino Costa - depois, cada vez mais foram ficando "acorrentados", como dizem os elementos que compõem o núcleo duro do grupo.

Este ano são 62, de 11 países, os participantes na 9.ª edição do encontro, que decorre até sábado na Póvoa de Varzim.

Todos os anos vibram com o reencontro, assistem a todos os debates, tomam o pequeno-almoço, almoçam e jantam juntos para matar saudades e pôr a conversa em dia.

As mesas-redondas realizam-se sempre no Auditório Municipal, situado ao lado da Casa da Juventude, onde decorrem alguns lançamentos de livros e está instalada a já tradicional feira do livro, na qual os interessados podem encontrar os livros recém-apresentados, bem como obras anteriores, de todos os autores presentes nas Correntes.

Segundo Alfredo Costa, o responsável da Papelaria Locus, que organiza a feira, "as vendas estão a correr bem este ano, à semelhança do que vem acontecendo sempre": já foram vendidos entre 800 e mil livros.

E as pessoas que vêm assistir aos debates - os participantes no encontro, alunos e professores das escolas do concelho e habitantes da cidade que enchem o auditório - de 310 lugares - e se sentam nas escadas e mesmo no chão, compram em seguida os livros e pedem autógrafos, que os autores prontamente dão.

O hotel onde são recebidos os convidados de cada edição das Correntes, situado em frente à praia, fica a alguns quilómetros do auditório, para onde são transportados em vários autocarros.

Ainda na mesa desta manhã, dedicada à "Poesia: a bem dita e a mal dita", a poetisa colombiana Janet Nuñez, uma estreante no encontro, começou a sua intervenção agradecendo: "a Manuela [Ribeiro], a Chico [Guedes] e a todos os `muchachos` da organização que nos mimam `como niños`", sublinhou.

O programa é sempre intensivo: quinta-feira, houve três mesas de debate, intercaladas por duas sessões de lançamento de oito livros, uma apresentação fotográfica multimédia do fotógrafo de escritores por excelência, o argentino Daniel Mordzinski, e a estreia mundial do filme do romancista brasileiro Tabajara Ruas, "Netto e o Domador de Cavalos".

Hoje, são quatro as mesas de debate, que reúnem cerca de 20 autores, subordinadas a temas como "A literatura rasga a realidade", "A Rua faz o Livro" e "Sou do Tamanho do que Escrevo" - que servem apenas como ponto de partida para as intervenções dos participantes e perguntas do público - e serão lançados mais três livros, de um total de 18 nesta edição do encontro.

Depois das de quinta-feira, hoje de manhã houve mais visitas a escolas do concelho, que são também já uma tradição, bem como as sessões de leitura de poesia ao serão no hotel, bem regadas e acompanhadas de tertúlia.

Discute-se de tudo, desde a qualidade dos livros que se publicam, aos critérios que pautam a edição, pratica-se também "corte-e-costura" q.b. e contam-se muitas histórias.

Resumindo, como disse o vereador da Cultura poveiro quarta-feira, na sessão de abertura da 9ª edição das Correntes d`Escritas, "aqui falam-se todas as línguas, mas a língua oficial é a amizade".


© 2008 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.
2008-02-15 17:45:01

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