Prémios L'Oréal Portugal para a Mulheres na Ciência são entregues hoje
Mulheres cientistas recebem prémio para estudar demência e Química Verde
10.11.2008 - 14h57 Andrea Cunha Freitas
São promessas de um futuro melhor. Susana Solá, Paula Moreira e Marina Kirillova têm projectos que prometem dar que falar nos próximos tempos e que abrangem áreas como as doenças neurodegenerativas (Alzheimer, neste caso), a diabetes e o envelhecimento celular e ainda os processos químicos de tratamento numa indústria ambientalmente mais correcta. O júri científico, presidido pelo cientista Alexandre Quintanilha, escolheu-as entre 40 candidaturas.
A distinção surge "pelo contributo que poderão trazer para a compreensão da mais frequente forma de demência nos países industrializados - o Alzheimer - e para a redução dos impactos ambientais decorrentes de vários processos químicos que, sendo indispensáveis, têm de ser 'reinventados' para travar a situação de fragilidade enfrentada pelo planeta". Argumentos para justificar o incentivo que uma medalha de honra e 20 mil euros podem dar a um projecto de investigação.
Têm de ser mulheres, doutoradas, cientistas, ter menos de 35 anos e desenvolver os seus projectos em Portugal. Estes são os critérios elementares para a atribuição das Medalhas de Honra L'Oréal, que têm o apoio da Fundação Nacional da UNESCO e da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). As três galardoadas são hoje distinguidas, na Academia das Ciências de Lisboa, durante a Cerimónia de Encerramento das Medalhas de Honra L'Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência. Falámos ao telefone com estas mulheres cientistas antes da entrega dos prémios.
Susana Solá: Parar a morte celular para travar Alzheimer
Doutorada em Farmácia e investigadora da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, Susana Solá, de 32 anos, estuda os mecanismos de morte cerebral observados na angiopatia amilóide cerebral, comum a várias doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, anuncia o comunicado.
Quando recebe o contacto do PÚBLICO, a investigadora remete as explicações para um e-mail que já preparou com "algumas explicações mais simples". Porém, não consegue evitar uns minutos de conversa e explica como é que o projecto vencedor une um conhecimento já adquirido com uma pergunta por responder.
Assim, Susana espera conseguir aliar o que já se sabe sobre o ácido biliar, o ácido tauroursodesoxicólico (TUDCA) - estudos anteriores demonstraram que previne a morte das células -, ao que deverá descobrir sobre a influência das diferentes mutações no gene Aß na morte das células do sistema microvascular cerebral. "No seu conjunto, este projecto poderá fornecer novos dados que poderão ter importantes implicações no desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas para o tratamento de doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer", conclui.
Segundo explicou, a "angiopatia amilóide cerebral é uma característica específica das formas familiares da doença de Alzheimer, a forma mais frequente de demência nos países industrializados, devida à deposição da proteína ß-amilóide (Aß) nas paredes dos vasos sanguíneos do cérebro". O projecto vai testar a hipótese de o TUDCA (uma substância que facilmente pode ser produzida e utilizada na versão sintética) ser capaz de aumentar a capacidade de sobrevivência das células dos vasos sanguíneos do cérebro expostas aos diferentes agregados de Aß.
"Se os nossos estudos fundamentais conseguirem esclarecer os alvos e os mecanismos moleculares inerentes à toxicidade da proteína Aß, mais facilmente se conseguirão desenhar terapias eficazes para esta patologia", conclui.
Paula Moreira: Procurar novos alvos para evitar demência
A conversa acontece ao telefone na berma de uma estrada. A viagem será ainda longa e Paula Moreira, de 33 anos, doutorada em Ciências Biomédicas e investigadora do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, decide encostar o carro para dar mais esclarecimentos sobre o seu trabalho, intitulado Da Diabetes à Demência Explorando as Vias de Sinalização Enviadas pela Mitocôndria e Proteínas Desacopladoras.
A investigadora explica que quer perceber de que forma a diabetes e o envelhecimento - dois importantes factores de risco para a demência - afectam os neurónios e as células que revestem os vasos sanguíneos (endoteliais). Mais do que isso, o projecto quer ver como a disfunção celular provocada pelo envelhecimento e pela diabetes contribui para o desenvolvimento e progressão da doença de Alzheimer. "Nós estamos numa população envelhecida e o problema da demência é muito actual e preocupante", nota Paula Moreira.
No trabalho a ser executado nos próximos anos, a cientista vai-se debruçar sobre a mitocôndria - um organelo fundamental para as células que produz energia que, com o envelhecimento ou em casos de diabetes e doença de Alzheimer, começa a decair - e a sua influência na morte das células. "A nossa ideia é tentar descortinar quais são as vias de sinalização mediadas pela mitocôndria e também o papel das suas proteínas desacopladoras, que poderão ter uma função protectora em situações de stresse oxidativo, como encontramos na diabetes, envelhecimento e doença de Alzheimer", diz Paula Moreira.
A investigadora deverá recorrer a modelos animais (ratos) para estudar a diabetes, transgénicos (ratinhos) no caso da doença de Alzheimer e também a cultura de células. Recentemente, estudos epidemiológicos demonstraram que os diabéticos têm mais risco de desenvolver Alzheimer.
Marina Kirillova: Compostos metálicos de inspiração biológica
Marina Kirillova, uma bielorrussa de 29 anos, é doutorada em Química e investigadora do Instituto Superior Técnico. Com um português cheio de sotaque, a cientista pede as perguntas por escrito. As respostas chegam pouco tempo depois.
"Com este projecto tem-se o intuito de obter uma nova série de complexos metálicos de inspiração biológica e aplicação dos mesmos como catalisadores eficientes em diversas transformações químicas de relevância industrial, científica e ambiental".
E, como se tratasse de uma justificação, Marina explica que "o desenvolvimento de novos processos com relevância em 'Química Verde' apresenta-se como um requisito essencial em todas as áreas da química moderna e de crucial importância, tendo em consideração a débil situação ambiental do planeta Terra". Por isso, diz, é urgente alterar a maior parte das actuais transformações químicas, que se processam em solventes orgânicos (voláteis, tóxicos, inflamáveis e pouco amigos do ambiente) e requerem catalisadores caros, aditivos tóxicos, altas temperaturas e pressões.
Como? Com a "transformação de hidrocarbonetos saturados (matérias--primas baratas, principais constituintes do gás natural e do petróleo) em produtos orgânicos de valor acrescentado (álcoois, cetonas, ácidos carboxílicos, etc.) e a fixação química e activação de dióxido de carbono (gás responsável pelo efeito de estufa)", responde Marina Kirillova, acrescentando: "Alguns dos compostos sintetizados serão testados futuramente em Química Medicinal, numa perspectiva de aplicação farmacêutica". O projecto cruza a Bioinorgânica, a catálise e a Química Verde.
Adriano Miranda (arquivo)
10.11.2008 - 14h57 Andrea Cunha Freitas
São promessas de um futuro melhor. Susana Solá, Paula Moreira e Marina Kirillova têm projectos que prometem dar que falar nos próximos tempos e que abrangem áreas como as doenças neurodegenerativas (Alzheimer, neste caso), a diabetes e o envelhecimento celular e ainda os processos químicos de tratamento numa indústria ambientalmente mais correcta. O júri científico, presidido pelo cientista Alexandre Quintanilha, escolheu-as entre 40 candidaturas.
A distinção surge "pelo contributo que poderão trazer para a compreensão da mais frequente forma de demência nos países industrializados - o Alzheimer - e para a redução dos impactos ambientais decorrentes de vários processos químicos que, sendo indispensáveis, têm de ser 'reinventados' para travar a situação de fragilidade enfrentada pelo planeta". Argumentos para justificar o incentivo que uma medalha de honra e 20 mil euros podem dar a um projecto de investigação.
Têm de ser mulheres, doutoradas, cientistas, ter menos de 35 anos e desenvolver os seus projectos em Portugal. Estes são os critérios elementares para a atribuição das Medalhas de Honra L'Oréal, que têm o apoio da Fundação Nacional da UNESCO e da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). As três galardoadas são hoje distinguidas, na Academia das Ciências de Lisboa, durante a Cerimónia de Encerramento das Medalhas de Honra L'Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência. Falámos ao telefone com estas mulheres cientistas antes da entrega dos prémios.
Susana Solá: Parar a morte celular para travar Alzheimer
Doutorada em Farmácia e investigadora da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, Susana Solá, de 32 anos, estuda os mecanismos de morte cerebral observados na angiopatia amilóide cerebral, comum a várias doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, anuncia o comunicado.
Quando recebe o contacto do PÚBLICO, a investigadora remete as explicações para um e-mail que já preparou com "algumas explicações mais simples". Porém, não consegue evitar uns minutos de conversa e explica como é que o projecto vencedor une um conhecimento já adquirido com uma pergunta por responder.
Assim, Susana espera conseguir aliar o que já se sabe sobre o ácido biliar, o ácido tauroursodesoxicólico (TUDCA) - estudos anteriores demonstraram que previne a morte das células -, ao que deverá descobrir sobre a influência das diferentes mutações no gene Aß na morte das células do sistema microvascular cerebral. "No seu conjunto, este projecto poderá fornecer novos dados que poderão ter importantes implicações no desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas para o tratamento de doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer", conclui.
Segundo explicou, a "angiopatia amilóide cerebral é uma característica específica das formas familiares da doença de Alzheimer, a forma mais frequente de demência nos países industrializados, devida à deposição da proteína ß-amilóide (Aß) nas paredes dos vasos sanguíneos do cérebro". O projecto vai testar a hipótese de o TUDCA (uma substância que facilmente pode ser produzida e utilizada na versão sintética) ser capaz de aumentar a capacidade de sobrevivência das células dos vasos sanguíneos do cérebro expostas aos diferentes agregados de Aß.
"Se os nossos estudos fundamentais conseguirem esclarecer os alvos e os mecanismos moleculares inerentes à toxicidade da proteína Aß, mais facilmente se conseguirão desenhar terapias eficazes para esta patologia", conclui.
Paula Moreira: Procurar novos alvos para evitar demência
A conversa acontece ao telefone na berma de uma estrada. A viagem será ainda longa e Paula Moreira, de 33 anos, doutorada em Ciências Biomédicas e investigadora do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, decide encostar o carro para dar mais esclarecimentos sobre o seu trabalho, intitulado Da Diabetes à Demência Explorando as Vias de Sinalização Enviadas pela Mitocôndria e Proteínas Desacopladoras.
A investigadora explica que quer perceber de que forma a diabetes e o envelhecimento - dois importantes factores de risco para a demência - afectam os neurónios e as células que revestem os vasos sanguíneos (endoteliais). Mais do que isso, o projecto quer ver como a disfunção celular provocada pelo envelhecimento e pela diabetes contribui para o desenvolvimento e progressão da doença de Alzheimer. "Nós estamos numa população envelhecida e o problema da demência é muito actual e preocupante", nota Paula Moreira.
No trabalho a ser executado nos próximos anos, a cientista vai-se debruçar sobre a mitocôndria - um organelo fundamental para as células que produz energia que, com o envelhecimento ou em casos de diabetes e doença de Alzheimer, começa a decair - e a sua influência na morte das células. "A nossa ideia é tentar descortinar quais são as vias de sinalização mediadas pela mitocôndria e também o papel das suas proteínas desacopladoras, que poderão ter uma função protectora em situações de stresse oxidativo, como encontramos na diabetes, envelhecimento e doença de Alzheimer", diz Paula Moreira.
A investigadora deverá recorrer a modelos animais (ratos) para estudar a diabetes, transgénicos (ratinhos) no caso da doença de Alzheimer e também a cultura de células. Recentemente, estudos epidemiológicos demonstraram que os diabéticos têm mais risco de desenvolver Alzheimer.
Marina Kirillova: Compostos metálicos de inspiração biológica
Marina Kirillova, uma bielorrussa de 29 anos, é doutorada em Química e investigadora do Instituto Superior Técnico. Com um português cheio de sotaque, a cientista pede as perguntas por escrito. As respostas chegam pouco tempo depois.
"Com este projecto tem-se o intuito de obter uma nova série de complexos metálicos de inspiração biológica e aplicação dos mesmos como catalisadores eficientes em diversas transformações químicas de relevância industrial, científica e ambiental".
E, como se tratasse de uma justificação, Marina explica que "o desenvolvimento de novos processos com relevância em 'Química Verde' apresenta-se como um requisito essencial em todas as áreas da química moderna e de crucial importância, tendo em consideração a débil situação ambiental do planeta Terra". Por isso, diz, é urgente alterar a maior parte das actuais transformações químicas, que se processam em solventes orgânicos (voláteis, tóxicos, inflamáveis e pouco amigos do ambiente) e requerem catalisadores caros, aditivos tóxicos, altas temperaturas e pressões.
Como? Com a "transformação de hidrocarbonetos saturados (matérias--primas baratas, principais constituintes do gás natural e do petróleo) em produtos orgânicos de valor acrescentado (álcoois, cetonas, ácidos carboxílicos, etc.) e a fixação química e activação de dióxido de carbono (gás responsável pelo efeito de estufa)", responde Marina Kirillova, acrescentando: "Alguns dos compostos sintetizados serão testados futuramente em Química Medicinal, numa perspectiva de aplicação farmacêutica". O projecto cruza a Bioinorgânica, a catálise e a Química Verde.
Adriano Miranda (arquivo)
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