domingo, 22 de fevereiro de 2009

Viva a Argentina!

Argentina expulsa bispo

Márcio Resende, correspondente em Buenos Aires
17:15 Domingo, 22 de Fev de 2009

"Celebramos a declaração do governo nacional porque é inaceitável negar o Holocausto num país que participa da International Task Force para a investigação do Holocausto. Não vamos tolerar mais acções anti-semitas e discriminatórias", afirmou Aldo Donzis, presidente da Delegação de Associações Israelitas Argentinas (DAIA).

"Não é possível negar o Holocausto. Creio que certa gente não favorece a convivência e a paz social da qual tanto necessita o nosso país", coincide Julio Schlosser, secretário-geral da Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), a mesma que em 1994 sofreu um atentado anti-semita que deixou 85 mortos e mais de 300 feridos.

"Sem comentários", limitou-se o porta-voz do Vaticano, Franco Lombardi.

Há quase seis anos na Argentina, Richard Williamson tem 10 dias para abandonar o país. Através de um comunicado, o Departamento de Migrações intimou o sacerdote a deixar a Argentina nesse prazo caso contrário será decretada a sua expulsão.

Tecnicamente, negar o Holocausto não é um delito no país. Mas o governo argentino encontrou um argumento legal. A resolução oficial sustenta que Williamson forjou a sua declaração de ingresso temporário à Argentina em Setembro de 2003, insistiu na irregularidade na renovação em Fevereiro de 2004 e na concessão de residência permanente em Fevereiro de 2008.

De acordo com os registos, declarou ser funcionário administrativo da Associação Civil "La Tradición", quando, na verdade, exercia como sacerdote e director do seminário lefebvrista que a Fraternidade São Pio X possui no município de Moreno, na periferia de Buenos Aires.

A fraternidade é uma ala ultra-conservadora e dissidente da Igreja Católica. A atividade religiosa não é reconhecida pelo governo argentino. A falsificação reiterada na informação foi mostrada pela comunidade judaica argentina -a maior da América Latina- como mais uma mentira do bispo.

"Para o governo argentino, é intolerável a presença irregular no país de uma pessoa que ofendeu a humanidade com manifestações anti-semitas", concluiu o ministro do Interior, Florencio Randazzo.

O texto da resolução não deixa dúvidas de que o argumento técnico é complementar ao verdadeiro motivo que levou as autoridades argentinas a expulsar Williamson.

"A República Argentina não deve perder esta oportunidade de reafirmar que o anti-semitismo é uma aberração ideológica que ao longo da história custou milhões de vidas de seres humanos e que a negação da Shoá implica o desconhecimento de uma verdade histórica comprovada", pode ler-se no comunicado em alusão às palavras do bispo Williamson.

Para o governo argentino, "as declarações que colocam em dúvida que o povo judeu tenha sido vítima do Holocausto são uma profunda agressão à sociedade argentina, ao povo judeu e à toda a Humanidade".

Na zona de quintas nos arredores de Buenos Aires, membros da Fraternidade rejeitaram a decisão do governo porque o sacerdote não teria cometido nenhum delito, segundo a lei argentina. "Se aplicarmos o mesmo pretexto administrativo, vamos expulsar todos os estrangeiros do país", alegou um membro da comunidade.

Pressão judaica

A decisão do governo argentino surgiu depois de pedidos da comunidade judaica. A Chancelaria argentina esclareceu que a medida não implica nenhum atrito com o Vaticano porque o sacerdote estava excomungado formalmente quando entrou na Argentina.

O Papa Bento XVI suspendeu essa excomunhão recentemente, mas a situação jurídica da Fraternidade São Pio X continua sem reconhecimento tanto da Igreja Católica quanto do governo argentino.

O Instituto argentino contra a Discriminação, contra a Xenofobia e contra o Racismo (INADI) havia pedido ao bispo que ratificasse ou que rectificasse as suas polémicas declarações. O sacerdote respondeu que o Instituto não tem competência para o julgar.

Na semana que vem, o INADI apresentará um projecto de lei que classifica como um delito a negação do Holocausto, o genocídio arménio e os crimes de ditadura argentina.

Onda de protestos

A anulação da excomunhão de Williamson e de outros três bispos lefebvrianos pelo Papa Bento XVI em 24 de Janeiro desencadeou uma onda de protestos pelo mundo e uma crise que ameaçou as relações da Igreja Católica com a comunidade judaica, além de afetar a imagem do Papa.

Os quatro tinham sido excomulgados por João Paulo II em Julho de 1988 por terem sido ordenados bispos pelo arcebispo Marcel Lefebvre (morto em 1991), quem protagonizou um cisma católico devido as suas posturas reaccionárias.

O perdão de Bento XVI sem uma retratação prévia envolveu na indignação até mesmo um chefe de governo europeu, a alemã Angela Merkel, quem pediu um esclarecimento ao Pontífice.

Dois dias antes da decisão da Santa Sé, foi relembrada uma entrevista de Novembro de 2008 à TV sueca na qual Richard Williamson declarava ter a convicção de que "as evidências históricas estão imensamente contra o facto de seis milhões de judeus terem sido assassinados em câmaras de gás". (veja o vídeo no final deste artigo)

"Não houve câmara de gás (...). Creio que 200 a 300 mil judeus morreram nos campos de concentração, mas nenhum nas câmaras de gás", afirmou então Williamson.

Posteriormente (12 de Fevereiro), o Papa condenou tais declarações porque negar o Holocausto era "intolerável e inaceitável". Bento XVI pediu que Williamson se retratasse, mas o sacerdote negou-se a pedir desculpas.

Numa entrevista à revista alemã "Der Spiegel", o bispo inglês disse que deverá estudar as "evidências históricas" e "não as emoções" antes de uma possível correcção das suas declarações. O Vaticano esclareceu que os lefebvristas continuam sem formar parte da Igreja Católica.

Há duas semanas, o bispo Williamson fora afastado do seu cargo à frente do seminário nos arredores de Buenos Aires, após o escândalo mundial que as suas palavras provocaram.

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